Leila Roque Diniz (Niterói, 25 de março de 1945 — Nova Délhi, 14 de junho de 1972) foi uma atriz brasileira.
Merece ser lembrada. Não apenas porque foi excelente atriz. Mas porque depois dela, o Brasil se tornou um pouco mais liberal. Mesmo em plena ditadura.
Recomendo ler a entrevista dela ou no site da Biblioteca Nacional, entrevista ao semanario Pasquim que marcou epoca. Alias tem um monte de entrevista otima no Pasquim
http://memoria.bn.br/docreader/DocReader.aspx?bib=124745&pagfis=153
JAGUAR. Mas você não está entusiasmada com esse “show”que você vai fazer no Poeira?
LEILA. Eu estava dizendo que sou uma pessoa sem
sentido porque meu sentido é esse: eu gosto de me divertir, pô. Esse
“show”, “Tem Banana na Banda”, vai ser divertídérrimo, Eu, Maria Gladys
e Aninha – pode ter uma coisa mais engraçada? Millor, Maciel, uma
patota que a gente adora, escrevendo. Eu vou me vestir de baiana, eu
vou morrer de me divertir e isso vai me dar alguma coisa como atriz
também.
FELIZMENTE, JÁ AMEI MUITO E ESPERO AMAR MAIS AINDA.
JAGUAR. Vai ter ’strip-tease’?
LEILA. Não sei. Se tiver eu também faço, pô. Vai ser
uma zona total. É como o negócio de fazer o filme em Parati. A gente
foi fazer esse filme em Parati. A gente foi fazer esse filme em Parati e
eu nem sei o quanto eu vou ganhar. Ainda nem fez o contrato. O filme
já acabou e nós vamos dublar agora. Mas a gente estava em Parati. Era
Nélson dirigindo. Arduíno, Bigode, Aninha, Isabel, cachaça, peixe,
aquela zona; andar descalça, não pentear o cabelo, fazer cena do jeito
que a gente resolve… Meu papel não existia, não é? Nélson inventou; ele
inventa sempre um papel pra mim. Ele diz que agora eu vou estar sempre
nos filmes dele porque ele gosta muito do meu estouro.
TARSO. Você gosta de mulher?
LEILA. Gostei de mim , quando fui tomar banho pelada
da noite e tem aquela água que fica brilhando com a lua. Você quer
morrer: fica com aquelas gotinhas prateadas no corpo; divina e
maravilhosa. Parati é alucinante. Ainda mais com aquela patota.
TARSO. Você já foi, com “Todas as Mulheres…”, a atriz
mais popular do cinema. E talvez ainda seja, hoje. Num país civilizado,
você seria muito bem paga. E aqui. Você vive bem hoje?
LEILA. Realmente, aqui é fogo. A gente está num país
tropical, azar o nosso. Esse negócio de atriz fazer sucesso não
adianta. Eu sou muito (*). Eu não sei pedir, não sei ganhar dinheiro.
Não nasci pra isso. Tem gente que nasce e sabe. Não sei fazer um
contrato. Por exemplo: eu agora queria vir pro Rio. Nem sei quanto vou
ganhar. O cara vai vir me oferecer menos que eu ganhava em São Paulo?
(*): não sou bem paga, muito por minha culpa. Claro, é culpa da
estrutura, etc. Mas minha também . Ioná, Regina Duarte, etc, ganham
dinheiro. Eu não.
JAGUAR. Um agente não resolve esse problema, não?
LEILA. Deve resolver. Mas a gente enche.
TARSO. Quanto você está ganhando por mês em média?
LEILA. Juntando televisão cinema e tudo, eu ganho uns dez milhões. Quando recebo.
TARSO. A televisão não paga em dia, não é?
LEILA. Antigamente, pagavam sempre. De uns três meses pra cá, eu ando muito (*) porque a Excelsior se (*) e eu junto. Nós fizemos mil reuniões em sindicatos, íamos fazer uma greve e tudo. Mas desistimos porque se fizéssemos, a Televisão fecharia. Eu acho muito muito chato porque televisão era o único meio da gente ganhar dinheiro. Em cinema é difícil porque quando a gente vai fazer cinema com gente que a gente gosta, são geralmente pessoas (*), Nélson, Domingos, etc. A gente sabe que essa patota não tem dinheiro. Por que é que eu vou cobrar? Não vou, claro. Quando eu faço um filme de alguém que tenha dinheiro eu cobro mais. Televisão que era nosso único meio agora está entrando pelo cano: tem muito poucas, a Globo, talvez a Tupi e um pouco a Record. Então, está (*). Pra entrar lá, você tem de (*) pra todo mundo. Ou então você tem de ser muito inteligente de arranjar um jeito, sei lá. Você vê atores geniais trabalhando por uma (*). Mas não ganho maravilhosamente bem quanto poderia.
SÉRGIO. A que você atribui isso?
LEILA. O mercado de trabalho é muito pequeno. Se você vai na TV Globo, eles dizem isso pra você: tem vinte atores pra fazer teu papel. Se você não aceitar fazer por X (*_se) porque tem sempre um que está morrendo de fome e vai aceitar. E aí tem de falar do Brasil, não é? E daí (*), não pode, não é?
TARSO.Quer dizer que o pessoal da televisão tem exigências não profissionais? Ficam querendo faturar as moças, é isso?
LEILA.Não está mais tanto assim, não. Já esteve muito. A mim, nunca quiseram, porque eu mando logo tomar no (*). Quando eu quero eu vou com o cara. Comigo, não tem esse negócio de ninguém querer, não. Quer dizer: pra mim, não tem. Talvez tenha para as mocinhas que estão começando, eu não sei, não. Tem é muita zona em volta que não é negócio do (*), que talvez fosse até mais fácil, você chegava lá e pronto, afinal (*), não é tão ruim mesmo. O que tem é toda uma paparicação que é desagradável, entende? Você tem de jantar com fulano, conviver com sicrano, bater papo, tomar uisquinho, nhem, nhem e tal. Isso existe muito mais do que dar. Está até fora de moda esse negócio de (*).
SÉRGIO. Você é uma mulher extraordinariamente bonita e faz papéis “sexy” no cinema. Em conseqüência, você recebe muitas cantadas aí pelas ruas, nos bares da vida, praias, etc?
LEILA. Recebo muitas. Aliás acho uma (*) fazer papel “sexy”. O negócio não tem nada a ver com fazer bonequinha, carinha, etc. O negócio é outro: um negócio de pele, olho, um negócio que eu não sei bem o que é, não. Mas recebo cantada sim. É muito engraçado. Às vezes, enche. Em São Paulo, você recebe muito mais.
ALIÁS, ACHO UMA (*) FAZER PAPEL “SEXY”
Se eu quisesse (*), eu estava rica. Em São Paulo, o que liga pro hotel é industrial, fazendeiro, etc. pra dizer: companheiro, o caso não é esse, não é bem assim, etc. Eu fico danada. Um dia disse para um cara: meu amigo, se você por acaso me encontrasse, fosse ao cinema, fosse jantar, etc. eu até podia dar pra você, mas assim não. O cara naquelas de vamos e tal, aí já fica chato paca, não é? O cara querendo pagar fica uma (*), deve ser um (*) de cama.
TARSO. E chamado fã? Incomoda muito?
LEILA. Não. Acho que ator que diz isso está mentindo. A gente acha muito bacana ser reconhecida na rua, que digam: olha, assisti ao seu filme, vejo a sua novela. Só tem um lugar que me incomoda: é na praia. Eu gosto de ficar na praia a vontade, quero ficar muito livre, deitadinha, tomando sol, caio n’água , cai biquíni e tal, e ai é muito chato quando vem aquele fãzinho esperando uma imagem sua e vê aquela zona toda. Mas fora disso, me entendo muito bem com os fãs, não tem problema, não. Mas eu tenho muito fã criança e eu sou vidrada em criança.
JAGUAR. E cartas de amor, propostas de casamento, etc?
LEILA.Tem algumas alucinantes. Tem um rapaz que me escreveu dizendo que ia se suicidar se eu não respondesse.
SÉRGIO. Você respondeu?
LEILA. Respondo, claro. Ele é filho de um general. Eu li: ele dizia que era filho do general fulano de tal, estudava pra detetive. Aí eu falei: malandro, se eu não respondo, o cara se mata e eu pego a carga, sei lá. Respondi dizendo que ele era um bobo que não tinha nada de fazer aquilo, estava ficando louco, ele que assistisse as minhas novelas (*) (*) que quisesse, eu não tinha nada a ver com isso.
SÉRGIO. Mas o fãs não lhe cantam?
LEILA. Fazem um certo charme. Dizem que vêem meus filmes, lêem
minhas entrevistas. E como todas as minhas entrevistas dizem “Leila, a
mulher livre”, “Leila, a mulher que faz o amor”, “Leila que é
independente”, etc..todo mundo fica achando que eu sou aquela (*) da
zona, não é? E realmente os moçoilos ficam um pouco interessados. Mas
aí eu dou aquela de : não ;e nada disso rapaz, que é isso, estamos aí
mas não é bem. Eu tiro de letra. Eu me entendo com todo mundo, com toda
a patota. Só que, evidentemente, você escolhe para conviver com as
pessoas que você tem diálogo.
TARSO. Houve algum caso de fã que tivesse se aproximado e que a coisa tenha colado?
LEILA. Deixa eu lembrar.
JAGUAR. Não vale nenhum dos presentes
LEILA. Por incrível que pareça, com os presentes nunca
tive o prazer. Mas estamos aí. Agora, com fã, acho que nunca aconteceu
não. Ou, se aconteceu, foi tão (*) que eu nem lembro. Geralmente, eles
tão noutra, tão atrás da sua imagem e você não vai entrar numa dessas.
Imagem é fogo, chega lá e não é nada daquilo, não é? Não vou nessa.
JAGUAR. Um aviso aos navegantes: quem escolhe é você, não é?
LEILA. Sei lá. Acho que a gente escolhe. Acho que sou eu que (*), sim. Acho que sou um ponto fixo dentro de mim e um circulo ao redor. Esse ponto fixo é muito sério e as pessoas não manjam muito. Tem um negócio dentro de mim que é muito importante: a minha força, a minha verdade, a minha autopreservação…
PAULO GARCEZ. Qual foi o homem que já atingiu esse ponto fixo?
LEILA. Muitos. Felizmente, eu já amei muitos e espero amar mais ainda.
SÉRGIO. Uma pergunta meio piegas: você foi professorinha e…
LEILA. Professorinha uma (*). Fui professora.
SÉRGIO. Está bem. Você tem saudade daquele tempo? Gostaria de apagar tudo e voltar a ser professora?
LEILA. Não gostaria de apagar nada da minha vida.
SÉRGIO. Criança é chata então?
LEILA. Nada chato, não. Eu amo crianças. Há muito folclore ao redor disso, mas eu gosto muito de crianças. Mas eu gostei de ser atriz e seria muito difícil voltar a ser professora. Eu deixei de ser professora por covardia, porque eu tinha que brigar muito com os pais, e com os diretores do colégio. Porque eu não estava em Summerchilll, não, mas em minha sala, cada um fazia o que queria. Eu me lembro, que, em uma ocasião, teve um aluno eu – eu ensinava no maternal, ensinei maternal, jardim de infância e primeiro ano -, bem esse aluno chegou pra mim e… Bem, eu tenho uma relação com crianças muito boa, consigo chegar e dialogar com elas. Na minha sala eu aboli a mesa da professora, não existia, minha mesa era igual a deles, minhas coisas eram guardadas como as deles, eu mexia nas coisas deles, tanto quanto eles mexiam nas minhas, não tinha problema. Agente trocava lanche, eu levava coca-cola e eles gostavam mais do que leite e a gente trocava, eu fazia a maior zona. As mães, porém, não gostavam. Bem aquele aluno meu estava cheio comigo, não sei por que, virou pra mim e disse: sua (*)! Foi aquele silêncio, todo mundo ficou me olhando pra ver o que que a professora ia responder. Eu fiquei com vontade de rir e ri. Aí eu disse: (*) é você, está ouvindo seu cocô. Foi aquela zona: porque, falando com criança eu adapto meus palavrões pros deles. Palavrão de criança é (*) cocô, xixi, titica, etc. Então foi uma semana na sala que eu só falava de (*): sua (*) pra cá, seu (*) pra lá, (*) sem parar, cocô pra lá, xixi pra cá… A diretora entrava na sala e ficava horrorizada. Mas depois de uma semana, todo mundo deixou de falar (*) porque a (*) deixou de ser excepcional, ficou inteiramente desmoralizada. O que, aliás, é uma pena. Mas eu adoro crianças. Gostaria de ter uns vinte filhos pra fazer minha escolhinha em casa.
TARSO. A censura resolveu, agora, implicar com as novelas. Mas há coisa muito pior na televisão: o calhorda do Raul Longras, o imbecil do J. Silvestre, o cachorro do Silvio Santos, o Flávio Cavalcanti, que é um mau-caráter, patife. E eles não proíbem nada disso. Por que só as novelas?
LEILA. É tudo muito burro, aqui. Quando você explora a miséria verdadeira, ninguém acha nada demais, como o Raul Longras, esses caras todos. Negócio bonitinho de censurar é novela, quando tem uma cena de amor, uma moça que foge de casa, como uma que fiz agora, em que eu fugia de casa, , porque queria viver com o Zózimo Bobul, e a novela foi censurada. Tem mil babados assim, acho a maior cretinice. Não consigo explicar, Não consigo entender qual é a deles. Censuram filmes e não censuram programas em que as pessoas, pra casar, são vendidas como alface, ou são esculhambadas como se fosse cocô, como acontece no programas do Flavio Cavalcanti. Aí, digo que é burrice minha porque não quero achar que as pessoas sejam tão (*) assim.
TARSO. Você admite censura a uma obra de arte?
LEILA. Pô, Tarso: de jeito nenhum, Foi o que perguntei aos
censores: que tipo de preparo tem uma pessoas que vai julgar e censurar
uma obra de arte? Eu não teria coragem de ser censor. Se eu fosse
julgar uma obra de arte, eu teria de ser uma pessoa inteligentérrima,
cultérrima, muito humana e muito por dentro das coisas. Censura é
ridículo, não tem sentido nenhum. Do jeito que é feita, inclusive não
tem nenhuma noção de justiça, cultura, nem nada. Foi julgada e
censurada uma peça de Sófocles, lá no Teatro do Rio, não foi? É um
absurdo. Procuraram até o Sófocles. Aí é fogo. Acaba com qualquer papo.
SÉRGIO. Na sua novela, a personagem foge com Zózimo Bobul. Na
Europa, isso é moda há muito tempo. Eu pergunto: há alguma diferença
sexual do negro pro branco?
LEILA. Eu só tive um homem negro E não vou comparar meu homens
porque é sacanagem. Dizem que os negros têm mais potencialidade e etc.
Eu acho que é a mesma coisa. Depende do cara. Nesse negócio não tem
nada a ver. Tem uns que são bons de cama, chega lá e não combina. Esse
negócio depende muito. O negócio é aquela ligação, está na pele.
JAGUAR. O Anselmo Duarte disse que…
LEILA. Ah, deixa eu falar do Anselmo porque ele disse um negócio muito lindo pra mim. Fiquei até com pena de não ter tido nada com ele em Congonhas. Ele disse que eu me dedicava muito aos homens. Ele é muito bacana e deve gostar muito de mim para dizer um negócio desses. Eu não sabia que ele gostava tanto de mim.
TARSO. Você não tiveram nem um casinho, não?
LEILA. Não , nada disso. Morremos de rir, nos divertimos muito, mas não tivemos nada. É difícil a gente se divertir sem ter nada, mas a gente consegue. E nós estávamos em Congonhas do Campo, hein. Mas eu estava namorando o Toquinho que ia me visitar de vez em quando, então eu tinha um treco certo, não é? E tinhas os “profetas” lá, qualquer coisa quebrava o galho. Saí de lá que não aguentava mais olhar pro Daniel.
JAGUAR. É bacana, não é?
LEILA. É bacana porque você não passou dois meses lá malandro. Eu abria a janela e dava de cara com os doze profetas. Eu (*) pra arte, ele estava gozando paca. Ele tem lojinha de pedra-sabão e sonhei a noite toda com corrente, coruja, profeta de pedra-sabão, tudo de pedra-sabão. Eu não aguento mais ver. Mas o Anselmo foi muito bacaninha: acontece que eu seria a maior mulher do mundo se eu me dedicasse aos homens, eu? Eu ainda não consegui isso, não; estou lutando pra isso. Talvez aos trinta anos assim…
JAGUAR. O PASQUIM vai aderir à sua luta.
SÉRGIO. O que você achou da entrevista que ele deu à gente?
LEILA. O Anselmo é uma pessoa terrível. Tem uma inteligência meio primitiva. Mas é muito inteligente. E é muito gozador também. Quem manda o Anselmo, sabe naquelas respostas, ele estava gozando paca. Ele tem histórias incríveis pra contar porque ele é muito agressivo. Tem, por exemplo, a história da namorada que ele tirou a dentadura. É um troço alucinante. Agora, é uma pessoa maravilhosa como todo o cafajeste. Todo cara que é cafajeste, no fundo é um bobo. Ele é terrivelmente (*), humano, bom paca, só faltava me pegar no colo, como Jece Valadão e todos os cafajestes que já conheci em minha vida. São uns anjos de pessoas.
TARSO. Você acha o Jece Valadão suportável?
LEILA. Eu adoro o Jece. Primeiro porque foi um cara que me pagou em dia. Fiz “Mineirinho, Vivo ou Morto” com ele. Ele chora paca, regateia paca. Mas se combinou aquilo contigo, ele te paga em dia, tranquilo, te busca em casa, te leva em casa, etc. Ele é muito porreta pra trabalhar, um amor de pessoa. Ele está lá na dele: quer ganhar dinheiro, faz o cinema que ele sabe que vende. Não vejo os filmes dele, não, mas adoro ele.
SÉRGIO. Qual a sua opinião sobre o INC?
LEILA. É (*) você falar de um negócio que você está por fora. Eu não gosto. O Domingos está muito mais por dentro. Ah que vontade de ter um namoradinho nessas horas: ajuda, não é? O negócio é que você luta ou trabalha. Como não tem ninguém pagando pra você lutar, você tem que trabalhar. Fazer as duas coisas ao mesmo tempo, não dá. Se você só luta, você vira marginal. Eu resolvi ganhar meu dinheirinho, ter meu apartamento, ter o homem que eu quiser, pagar minhas coisas, eu trabalho. E gosto. Do que eu se, o INC é muito sacana. Eu vi muita gente tomar atitude bacana, muita luta no Cinema Novo, que o INC não apoiou. O INC tem preconceito contra o Cinema Novo. A gente faz é cinema. E o INC não faz nada pelo cinema brasileiro que é a função dele. Só faz um festival (*) que eu acho uma (*).
TARSO. O INC é dirigido pelo Harry Stone: só beneficia o cinema estrangeiro.
LEILA. A gente está lutando por essa lei pra aumentar as semanas de filme nacional e os caras (*) e andam, nem querem saber. Só isso já da pra eu saber que os caras estão interessados em que nosso cinema se desenvolva. Ele só estão a fim de que sejam vendidos, vistos e gostados os filmes estrangeiro. Logo eles são uns filhos da (*).
SÉRGIO. E o que você acha dos críticos de cinema? O INC é dirigido por críticos: Moniz Vianna, Salvyano, etc.
LEILA. Eu não leio críticas. Eles vão ficar (*) comigo, mas não leio. Eu quase não leio jornal. Leio O PASQUIM.
SÉRGIO. Nem as cotações JB?
LEILA.Não leio nada. Eu leio O PASQUIM porque é divertido, inteligente e são vocês que fazem que são meus amigos e contam coisas que me interessam. O resto, nem quero saber. Quanto às críticas dos filmes, palavras de honra, não é rancor, mas não gosto. Inclusive, parece que os críticos sempre livram a minha cara. Eu faço o maior filme (*) e dizem que eles livram a minha cara. Muito obrigada. Eu sou boa mesmo, não é? O crítico que for meu amigo vem bater papo comigo. O que me interessa é o que eu acho, o que o Domingos vai achar, o que o Nélson, o que vocês, os meus amigos vão achar. E o público, porque vai ver. O resto (*). Acho o crítico (*) porque é pessoal e só admito você ser pessoal pra amar. Qualquer coisa que o Jaguar faça, por exemplo, pode ser a maior (*) mas vou achar bom sempre. Porque eu gosto dele.
JAGUAR. Obrigado. Você quer falar da sua carreira de atriz?
LEILA. A gente é atriz porque cisma que é atriz. Vai entrando na coisa, vai entrando e via atriz. Agora: quando chega na hora de fazer o papel, você olha e diz: opa, não sei fazer isso, não. Mas está lá na carteira, eu sou atriz, decidi isso e agora tenho de fazer.
O PALAVRÃO VIROU VERDADE EM MIM, E QUANDO AS COISAS SÃO VERDADE TODO MUNDO ACEITA
O único treco de ser ator pra mim é isso. Eu não tenho escola porque não existe escola aqui e eu não gosto de escola, eu gosto é de trabalhar, me divertir e conviver com as pessoas que eu amo. O negócio bacana é que cada papel que você pega, você olha e diz: e agora, não sei fazer isso. Mas, malandro, você não está aí ganhando pra fazer isso? Acontece isso em novela, por isso eu digo que novela também é bom. Nessa novela, eu tinha de me vestir de homenzinho, a menina se fantasia de homem pra seguir o cara que ela gosta. É um negócio que eu nunca fiz. Pode ser ruim, novela, etc. Mas é meu.
SÉRGIO. A Raquel Welch está fazendo um filme com um papel assim.
LEILA. Espero que ela se saia bem. Eu consegui. A gente sempre tem de se livrar de muita inibição que tem dentro da gente. Apesar de eu já estar muito desinibida, o ator sempre tem suas inibições. Aí, o ator pode empostar um tipo e ir em frente. Mas, para mim, o importante é me livrar das coisas, como se tirasse o (*) cada vez. Eu falei pro Gracindo nessa novela, ih, estou com medo. Ele me disse: Por quê? Você vai tirar isso de letra. A primeira cena foi difícil, mas a segunda já foi melhor. Aí, você vai em frente. É bom paca. Não tanto quanto (*), é claro, mas é quase igual.
JAGUAR. Quando eu conheci você, Leila, você não dizia palavrão.
LEILA. Sempre disse palavrão, Jaguar, você está enganado. Dizia menos. Com o tempo, fui ficando desinibida e mais segura.
JAGUAR. Foi seu psicanalista que mandou você dizer palavrão?
LEILA. Não. Faz muito tempo que eu não faço análise. Eu me desinibi dançando, dançava paca, você sabe disso; no mar, na praia, etc, tinha atitudes físicas pra me desinibir, eu (*), nadava dançava. Fiquei mais segura e me expresso, agora, como eu tenho mais vontade. Eu acho o palavrão gostoso e é uma coisa normal pra mim. Quando ouvi um pedaço dessa gravação fiquei até um pouco chocada mas quando eu falo eu não sinto que estou dizendo palavrão. É gozado: meu pai, por exemplo, não fala palavrão. Lá em casa não se dizia nem cocô: a gente falava fezes. Tinha que ser tudo naquela base, que são palavras muitas mais feias do que palavrões. Mas o palavrão virou verdade em mim e quando as coisas são verdade as pessoas aceitam. Então meu pai aceita, embora ele não fale nem cocô. Morre de rir, bate-papo comigo e tal. De vez em quando ele diz: não dá pra você falar de outro jeito? Aí eu digo: ah (*) pra isso.
JAGUAR. São boas suas relações com seus pais?
LEILA. Maravilhosas.
LUIZ CARLOS MACIEL. Mas foi a psicanálise que desinibiu ou não?
LEILA. Não. Como eu disse eu me desinibi fisicamente. Mas a psicanálise talvez tenha me dado mais segurança. Eu fiz análise uns três anos, mas há tempos atrás. Eu tinha dezesseis anos. Foi uma época genial : porque na adolescência, você ainda está muito em confusão. Eu não ficava lá fazendo tipo: ia lá, chorava, berrava, falava palavrão e tudo.
SÉRGIO. Você deixou de ser virgem quando?
LEILA. De quinze pra dezesseis anos. Agora, eu não gosto muito de falar de minha psicanálise. Quando eu vou no ginecologista eu não vou dizer no jornal. Se vou ao analista, cuidar da cuca, por que eu vou ter que dizer? Se eu precisar cuidar de uma coisa, vou ao ginecologista, se precisar cuidar da outra, vou ao analista. Espero que eles estejam sempre lá e eu tinha dinheiro pra pagar. Embora eu ache que até análise devia ser de graça e paga pelo governo. Pra mim adiantou muito. Quando eu fui ao psicanalista, eu estava realmente batendo com a cabeça no poste. Na época eu ganhava cinqüenta conto e pagava três de análise. Depois, me aconteceu um negócio bacana. Eu já tinha parado de fazer análise e começado a trabalhar como atriz quando recebi um cartão do meu psicanalista. Foi um ano e meio depois que eu tinha deixado. O cartão dizia: “Leila, assisti ao teu filme. Continuo, como sempre, a acreditar cm você como gente, agora como artista?”
SÉRGIO. Você deu pro seu analista?
LEILA. Não. Ele era aquele kleiniano, freudiano, sei lá, que ficava sentado lá, te esculhambando paca.
TARSO. Mas você não se apaixonou pelo seu psicanalista?
LEILA. Não. Você sabe que não? Acho que esse negócio é folclore. Foi um troço muito bacana. Acho que a análise me fez muito bem, da mesma maneira que o ginecologista me fez bem quando eu precisei. Voltarei sempre que precisar. Acho que cada um deve fazer o que lhe faz bem. Se você fumar maconha e achar que isso lhe cura, ótimo. O importante é amar as pessoas e sentir uma certa felicidade, apesar da zona ao teu redor.
MACIEL. Você disse que deixou de ser virgem aos quinze pros dezesseis. Você acha que foi muito cedo ou muito tarde?
LEILA. Acho que foi na hora.
MACIEL. Como professora, isso é um conselho para as novas gerações?
LEILA. Pras novas e pras velhas.
SÉRGIO. Isso é um conselho seu e do Summerhill.
LEILA. Eu era muito summerhiliana, antes mesmo de conhecer o livro. Depois, fiz até umas críticas. Mas esse negócio de idade é bobagem. Você deixa de ser virgem quando está com vontade. Eu estava. Não deixei antes, porque meu namoradinho não quis. Ficou com medo.
Tarso. Quem era ele?
LEILA. O Luis Eduardo. Eu encho ele, hoje, por causa disso.
TARSO. Foi ele, então?
LEILA. Não. Mas depois nós fomos à formatura. Na época, ele tinha treze anos e eu tinha quatorze.
GARCEZ. O homem, então é muito mais cauteloso que a mulher?
LEILA. É sim. Eu lembro que a gente namorava na praia- e eu estava vidrada nele. Mas ele tinha medo.
SÉRGIO. Quem foi o primeiro homem então?
LEILA.Não vou dizer, não. Ele é casado e pode dar problema. Não vou me meter na vida dos outros, não é?
SÉRGIO. Ele ficou sendo um homem importante na sua vida?
LEILA. Não. Foi só o primeiro. Ele mesmo me disse isso.
JAGUAR. Foi apenas um fato histórico.
LEILA. É. Eu sempre encontro com ele e nós brincamos muito sobre o fato. Olha, vocês não vão publicar essas coisas, não é?
TATO TABORDA. E tua desinibição, não inibiu ninguém até agora?
LEILA. Já inibiu muita gente. Mas só na primeira vez, não tem problema. Aconteceu mais isso depois que eu fiquei famosa. Vou com Leila Diniz – o cara pensa. Que é que tem? Leila Diniz não faz nada demais, só o que todo mundo faz. Mas isso é raro: eu tenho um relacionamento muito bom com as pessoas. A turma não tem reclamado.
JAGUAR. Você acredita em amor, que um homem e uma mulher devem se amar pra ir pra cama, esse papo?
LEILA. Não. Inclusive, isso é um problema pra mim.
JAGUAR. Mas você já sentiu amor por um homem, pelo Domingos, ao menos.
LEILA. Não só pelo Domingos. O Domingo é o único conhecido e publicável. E eu espero amar ainda muitos homens na minha vida. Vou amar sempre.
JAGUAR. Mas amar e ir pra cama não é a mesma coisa,
LEILA. Não. Eu acho bacana ir pra cama. Eu gosto muito, desde que dê aquela coisa de olho e pele, que eu já falei. Agora, sobre o amor, eu não acredito nesse amor possessivo, acho chato. Você pode amar muito uma pessoa e ir para cama com outra. Isso já aconteceu comigo.
SÉRGIO. Você é contra a fidelidade?
LEILA. Não. Quando o negócio está bacana, geralmente eu sou fiel. Quando eu estou com uma pessoa, eu fico muito ocupada com ela. E eu sou muito de me ocupar. Agora, a idéia do amor é geralmente tão possessiva que me irrita muito. Detesto aquele negócio do saber hora, o que fez, etc.
JAGUAR. E você já está imunizada contra isso?
LEILA. Qual nada! Quebro a cara toda hora. Mas eu só me arrependo das coisas que eu não fiz. Das coisas que fiz, não me arrependo de nada. Só me arrependo do que deixei de fazer por preconceito, problema e neurose. Já amei gente, já corneei essa gente e elas entenderam e não teve problema nenhum. Somos todos uma grande família.
JAGUAR. Você disse há pouco que , às vezes, é bom ter um maridinho do lado.
LEILA. Eu não sou uma pessoa vinda de Marte. Eu nasci em 1945 e fui criada por uma família burguesa, razoavelmente bacana, mas eu tenho todos esses problemas dentro de mim. Evidentemente, eu também procuro um pai, um pouco. Tanto eu quero isso, que eu sou sozinha. Mas, pra mim, são mais importantes as coisas que eu acredito. Por isso, eu abro mão dessa proteção pra continuar no meu caminho. Mas, às vezes, dentro da sociedade que a gente vive, é bacaninha você ter um homem do teu lado, nem um homem- viu?- um companheiro, um treco bacana. Alguém que diga: está pegando fogo? Então vamos apagar juntos. O maridinho que eu quis dizer é isso.
TARSO. Mas acontece que o indivíduo é fatalmente afetado por uma união. Você acha que é possível superar isso?
LEILA. Se eu tivesse conseguido isso, eu estaria casada. Se não estou casada, é porque não consegui isso. Eu acho que a gente tem de respeitar ao máximo o cara que a gente ama. Mas acontece que eu não estou inteiramente livre ainda: como eu disse, eu nasci em 45, fui criada burguesamente. Então, tenho mil problemas burgueses também. E o cara sempre tem também. Por isso que a gente está aí nessa briga. No fundo, eu sou uma mulher meiga, adoro amar, não quero brigar nunca, e queria mesmo é fazer amor sem parar. Eu adoraria isso. Mas enquanto eu não posso, não vou me acomodar a uma série de pessoas que pra mim não significam nada.
MACIEL. Para uma pessoa manter uma vida sexual saudável, equilibrada, etc. deve dar quantas por semana?
LEILA. Ora, Maciel vai (*). Isso não tem medida. O cara pode dar uma e você passar até um ano. Acho difícil. Mas pode. Agora, acho bacana se pudesse ser todas as noites. Mas tudo depende de você estar ligada na do cara.
SÉRGIO. Já houve com você um caso como o do Anselmo, de 8 ou 12?
LEILA. Já.
GARCEZ. Você acha que o dito aumento do lesbianismo é devido a falta de virilidade do homem atual?
LEILA. Não. De jeito nenhum. Esse negócio de lesbianismo é uma coisa de carência afetiva. Todo mundo quer ser amado. Como homem e mulher foram criados com muitos problemas, o que eles devem fazer seria feio ou pecado, etc…, duas mulheres acabam querendo se apoiar uma na outra. Eu acho o lesbianismo triste por causa disso.
Existe esse txt da entrevista no archive https://web.archive.org/web/20190830142558/http://www.omartelo.com/omartelo23/musas.html
Existe um filme estrelado pela Louise Cardoso, "Leila Diniz (1987)",
muito bom. Um tempo atras estava disponivel no Youtube, hoje nao sei.
Muito engracado, a Louise tem tudo a ver. #LeilaDiniz #pasquim
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